terça-feira, 15 de dezembro de 2009

DUAS MULHERES, DOIS AMORES, OUTROS DESTINOS

Manoel Gomes


Vieram-me a mente duas mulheres que não precisam sair do meu pensamento, as mulheres as quais me uni uns dias. O nome de uma delas é de guerreira. Pelos menos é o que conta à história dos mitos. Não vejo qual interesse possam ter as pessoas por essa história se vou mentir a respeito. Evidentemente, nunca se sabe, quanto de verdade ou de mentira existe na vida de alguns casais. A mulher nunca foi reconhecida o ser da verdade, por isso, a mulher mente mesmo. Eu também, não sendo o mais honesto entre os homens, talvez confirme a teoria de que a verdade não passe de um estado de espírito.

Igualmente a minha família, era a sua família, nunca me esqueço. Está anotado numa parte do meu corpo como numa folha de papel, guardado para ser lida na prosperidade, uma relação de nomes próprios. Conheci Clarissa numa noite, à margem do rio, um dos dois, pois naquela cidade existem dois, consigo distingui-los. Um é de água salobra, o outro de água doce, eram muito bonito, na ciliar um monte, onde pela floresta, era parcialmente encoberto, graças às árvores veneráveis que flanqueavam as margens dos dois rios de um lado e de outro.

Foram essas árvores que deram beleza à noite, mas o brilho da lua clareava todas as folhas, a idéia de um lugar destinado ao amor para alguém. À frente, a poucos metros da margem encontramo-nos, se é que esse encontro tem muita importância para ser mencionado, eu sei que foi assim, também por outro lado eu fui surpreendido. E, não obstante, ela me surpreendeu. Eu observava o horizonte, o tempo estava bom, e olhava por entre as folhas que as árvores sombreavam nossas cabeças, e as nuvens, que se movimentavam no ir e vir da brisa embelezava mais aquele céu estrelado. Meu primeiro movimento foi abraçá-la, mas sem saber para onde irmos. Nossas pernas impediram outro movimento. Portanto, meus pés prenderam-se ao solo, juntaram-se nossos corpos, e ali ficamos. O que aconteceu entre nós, naquela noite, logo depois, de ela ter falado apenas um canto para si, sem as palavras felizmente, uma das antigas canções da terra, de um modo curiosamente pragmático, pulando de uma para outra, e voltando àquela que interrompera antes de ter terminado, que eu preferira. Tinha uma voz afinada, agradável. Percebi sua alma suave. Mesmo na grama, se sentou logo, quando a nós bastou um olhar. Era na realidade uma mulher educada. Voltar no dia seguinte foi o compromisso mais ou menos, com um beijo. Algumas palavras foram firmadas, talvez afirmadas.

No dia seguinte esperei-a no mesmo lugar, mas enganei-me, ela não veio. Perguntei se era protesto ou era para me incomodar com sua atitude. Mas não me incomodei. Ela e seu olhar sem dúvida me incomodaram e eu a esperei. Não devia esperar muito. Suas pálpebras talvez tivessem enrubescido a sua testa, obscuramente, tinha solidão. Pensei que estivéssemos bem, falou ela, é que você me controla, disse eu, não posso pensar em você longe de mim. Eu lhe confessava meus olhos enfiados em seu dorso, ela me ouvia, e assim, me aceitava. Você gosta mesmo de mim? Perguntei. Ela disse, esse texto é meu. E disse que o erro das palavras está como as pessoas colocam na vida.

No minuto seguinte ela pede-me amor rogando. Coloquei-na sobre minhas penas, suas coxas. Ela quis acariciar o meu corpo. Eu quis logo abocanhar seus seios, eu acredito. Ela veio logo se deitar com seu longo corpo. O que mais me interessava eram seus súditos seios, dos quais a posição ficava na minha cabeça, era o mais perfeito dos reflexos. A respiração era real, me vinha à idéia de eu ainda criança, resíduo na memória da amamentação, e dela, eu não me apartei por indiferença.

Mas hoje tenho excitação, como homem moderno, fisicamente bem no tempo e na sorte de todos os meus desejos. Eu mesmo não posso evitar. É possível ter excitação, com apenas uma lembrança. Naquele dia eu percebi, naturalmente, as mulheres sentem o cheiro do sexo, sentem à distância. Como pode isso acontecer? Naquele momento éramos nós mesmos, nas condições que estávamos, era possível perceber que poderia o tempo nos pertencer. Não sei se isso importa. Pois quando estou na cama, com uma mulher tento fazer o melhor do encontro, ao passo que, não preciso ser mais um, ou qualquer um. Tenho que ser eu, sem disfarce. Entendo que o amor não é o exílio, mas a forma de se encontrar na terra foi o que fiz do meu sentimento naquela noite, nascer para a terra.

Quando terminamos eu e ela estávamos domesticados, com ajuda dela reconstruí minha consciência e logo encontrávamos sós, tudo isso é a realidade das coisas, se passaram desse modo, foi segundo a minha existência. E a imagem dela permanece ligada a mim, para mim, naquela noite, demorou amanhecer, falar como eu a senti, falar dela, do prazer, não preciso provar nada, nem quero provar.

Quanto a Clarissa, quero falar dela, nunca fui apaixonado, perdidamente apaixonado, eu a deixava cedo em casa e voltava para os braços de Susane. Sim, durante o dia eu a procurava para transarmos. Querem me perguntar, com certeza querem perguntar, o que eu encontrava em Susane e não encontrava em Clarissa. Não era o dinheiro que o pai de Clarissa deixara, nem a beleza de Susane, eu diria que nada, além das duas serem a soma perfeita de inteligência, beleza, sexo, que eu as aguardava com desejo, o que me fazia mais homem.

Isso não durou por muito tempo, nem mesmo por dois outonos, mas meu desejo durará para sempre, minha alma diz isso. Finalmente, eu as deixei, para minha surpresa, elas me esqueceram o que me incomoda profundamente, mesmo agora. Aliás, elas continuam a me aporrinhar, somente pela razão de eu as desejar, elas e seus corpos. Isso não significa que, agora, desejo-as e tenho que controlar o sistema límbico, ou arriscar uma anomalia, logo acaba as perturbações, os desarranjos dentro da mente, em pouco tempo não se farão presentes, nem Susane, nem Clarissa, quero que elas venham me amar, é o que quero.

É incrível como as pessoas acreditam nas mentiras bem formuladas sem perceber que correm o risco de ir para a fogueira por acreditar naquilo que ouviu. Diz-se que elas vêem de tempos em tempos. Conheci mulheres, naquela cidade, não conheci os limites da dissimulação. Ainda as conheço. Mas, aliás, outros homens também, verdadeiros animais. Os conheço, mas menos más que as minhas dores. Eu sinto-as todos os dias, o sentimento anda depressa, mas elas não vêm todas de uma vez. Sim, há horas, sobretudo à noite, em que me sinto como um pessimista, ou um niilista a minha maneira.

Um desequilíbrio. Aliás, eu conheço mal também minhas dores. Isso talvez venha do fato de eu não sentir senão dores. Eis a angústia. Então eu me distancio, até o espanto, até a admiração, de outro sistema. Raramente, mas isso basta à vida. Sem as dores, isso simplificaria as coisas! Ser outro personagem? Mas isso seria um ser desleal. Mas, as tenho, certamente, um dia, ficarei sem passar por isso, se eu puder, sem as minhas dores, o meu entendimento, com as dores do coração, minhas dores afetivas, dores da alma (as da alma) e, depois, as dores do coração, a princípio ocultas, em seguida as da superfície, começando pala derme (do corpo) descendo metodicamente, sem me apresar as dores dos escrotos, lugar de sentimentos e desejos estranhos, mas satisfatórios.

Para os que forem amáveis para ouvir-me, falarei como Charles Bukowski, bêbado, em êxtase, e apaixonado. Então, naturalmente ele sabia, entendia o tempo, eis que estou sujeito a provocar controvérsias. Digo que sinto o amor com freqüência. Não fosse de todo, se pudesse o possível. Aliás, no dia seguinte fui abandonado, menos por Susane, mas por Clarissa, cujas correspondiam as minhas necessidades, apesar de honestas, pois, primeiro começaram a fazerem-se sentir, e ainda por outras razões que mencionaram o refúgio na beira do rio, havia acontecido mudança.

No ângulo do campo que mostrava a superfície, as rosas, mas o solo possuía, talvez, propriedades saudáveis. Foi nesse terreno de grama verde e viço que nos amamos, suspiramos, apertávamos as mãos, que pela primeira vez em minha vida, diária, a última, se não tivesse o solo, deixado uma substância afrodisíaca em nossos corpos, teria que me oferecer um sentimento que me rogava o espírito dela, exigia amor. O que faz o encanto da terra, além, é claro do fato de nos renovar, apesar de encontrar nela a dúvida, um preservativo, tudo se renova alhures da história. Recolhi-me ao empenho, numa passeata ao seu coração. Em todo, ou em parte o tempo fez-me tatear seu rosto. Um paraíso na relva. Eis finalmente, o que explica minha saudade.

Convidado ao prosperamento. Vejo nossa ligação. Logo existiu, não tenho dúvida. Sim, eu a amava, é o verbo que dou, felizmente hoje, e naquela época. Não tinha nunca amado antes, mas tinha ouvido falar de amor, naturalmente, eu tinha lido romances, onde se tratava intensamente disso. Estou, portanto, apesar de tudo, sem condições de dizer o que fazíamos, quando me vi de repente escrevendo o nome dela com sangue numa quaresmeira. Deitado ao luar, na relva, em pétalas e as flores sem espinhos. Eram flores, havia de muitas, isso me aliviava, embora seja de minha natureza admirar as flores, eu lhe alimentava com amor. E as flores a embelezar esse nascimento.

O amor nos torna bons? É certo? Mas o amor é maior que a paixão, é santificado, é mesmo! Ou será que confundo com outra verdade? Há tantas, não é? Há flores, cada qual mais bonita, não é? Amor a primeira vista, por exemplo, eis a frase que me lembro neste instante. Amor desinteressado. Será que eu a amava? Quero acreditar nisso. Será que eu teria escrito o seu nome na velha árvore do centro da cidade com a simbologia do coração? E além do mais escrever com o anel que estava em seu dedo, e em seguida eu a beijava? Eu penso nela. Isso não quer dizer tudo. Quero dizer que, no meu entender continuo apaixonado por Susane, mas me lembro de Clarissa, por certo, são dois nomes, considero os mais importantes de minha vida?

Então, penso em Clarissa? Eu aprendi a não pensar nela, exceto nas horas de dores, muito rapidamente, depois talvez o tempo me faça sentir envergonhado, mas nunca sob o pretexto de está vivendo para ela. Não importa o que eu tenho a dizer sobre isso. Pois sempre falei dos meus sentimentos, não sei se existiram, ou se existirão, provavelmente, a minha existência, as atribuo. As duas mulheres, elas existem realmente, duas mulheres, dois sentimentos, duas esperanças que aparecem para mim todos os dias, mas como tê-las comigo. Escrevi os dois nomes em algum lugar, elas me eram como o céu para o meu mundo.

Ora, elas me deram um lugar para eu escrever seus nomes, aquele que de melhor herdei na vida, o coração, que nunca esteve em outro lugar senão em mim. Ele vai me acompanhar na vida e na morte, aliás. Então eu penso nas duas mulheres, muitas vezes por dia. Chego a pensar se devia ficar pensando nelas dessa forma, esse deve ser o meu jeito de amá-las. Será necessário concluir que eu as amava com esse amor passional que já me arrancou tantas tolices. Posso crer que as amei, se as tivessem me amado desse jeito, certamente me divertiria escrever os nomes Susane e Clarissa nas minhas memórias.

Peço para arrancar os gerânios que nascerem no meu túmulo, é apreciável sentir sobre meu corpo os corpos delas palpitarem, dois seres vivos? Para pôr um fim, tentar pôr um fim nessa situação. Fui certa tarde ao lugar onde nos encontramos àquela hora, e ela não veio ao encontro. Não esperava, e a esperei em vão. Era já o mês de dezembro, talvez o de janeiro, e o frio era o da época, ou seja, adequado, justo, perfeito, como tudo o que é da época.

Mas de volta, em casa, não tardei em armar uma argumentação que me assegurou uma noite excelente e que se baseava no fato de ter a hora oficial tantas maneiras de se apresentar, no ar e no céu, no coração também, quantos dias têm o ano? No dia seguinte, portanto, cheguei cedo, muito mais cedo, bem no começo da noite propriamente dito, mas ainda assim tarde, pois ela já ali estava, na relva, sob a sombra das árvores que estalavam com o frio. Eu já disse que ela era uma mulher muito educada.

A terra estava fria, eu a sentia nos meus pés. Eu me interessava poder ter ela sobre mim. Perguntei se ela me sentia. Andando de um lado para o outro e batendo forte com os pés no chão. O terreno era irregular. Ela respondeu que me sentia. Queria me ter. Implorava e me disse, se fosse possível. Respondi que lhe daria. Estávamos vestidos de roupas leves. Conservamos as mãos juntas, lembro-me que ao olhar seu rosto. Pus-me a chorar. Não obstante, esquecemos da hora. Aquilo não era mau. Tirei vantagem disso.

Agora eu quero chorar. Não consigo de jeito nenhum deixar de pensar nelas. Creio sinceramente, que isso não é mau. Elas são o que me fazem reviver. É o bastante, e tenho que pesar todos os prós e contras. E quando me surpreende esse pensamento chego a chorar sem causa aparente, mas é saudade.

Eu que choro por qualquer coisa, mais choro de aflição. De modo que me pergunto se é realmente a saudade que me faz chorar. Naquele entardecer, se não era antes o caminho, cuja dureza e depressões me teriam feito lembrar as palavras, ou ainda outra coisa, uma coisa qualquer que eu teria dito, sem prestar atenção. Eu as vejo, por assim dizer, como duas deusas.

A cabeça inclinada, com as mãos no bolso, as pernas apertadas uma a outra. Não tinha a minha idade, quase não parecia, era uma jovem senhorita. E aquele jeito de responder. Eu não sei. Eu não posso. Eu era o único que não sabia nem podia. Foi por minha causa que veio? Disse eu. Sim, disse ela. Está bem, aqui estamos, disse eu. E eu, não era por causa dela que tinha ido? Aqui estou, disse pra mim mesmo, sentei-me ao lado dela, mas levantei-me logo, de um salto, como se tocado por um fervor.

Eu tinha vontade de ir embora, para saber se havia acabado. Mas para ter mais certeza, antes de ir pedi que me cantasse uma canção. Achei a principio que iria recusar, quero dizer simplesmente não cantar, mas não, depois de um momento ela se pôs a cantar, e cantou durante um bom tempo, sempre a mesma canção, creio, sem mudar de posição. Eu não conhecia a canção, não tinha ouvido nunca e não a ouvirei nunca mais. Lembro-me apenas de que falava de limoeiros, ou laranjeiras.

Não sei mais quais, e para mim é um feito não ter esquecido que tratava de limoeiros e laranjeiras, pois das outras canções que ouvi em minha vida, e ouvi muitas, pois, é materialmente impossível, mesmo do jeito que eu vivia, sem ouvir cantar a menos que fosse surdo, e não me lembro de nada, nem de uma palavra, uma nota ou poucas palavras. Este parágrafo não pode ter mais que esse conteúdo, já durou muito.

Depois, afastei-me, ao me afastar, eu a ouvi cantar outra canção, ou talvez a continuação da mesma, com uma voz franca e que se ia enfraquecendo cada vez mais, à medida que eu me afastava, e que finalmente se calou, seja por haver terminado de cantar, seja por eu está muito longe para poder ouvi-la. Não gostava de ficar na incerteza naturalmente, na incerteza, mais aquelas incertezas, de ordem física como se diz, preferia livrar-me delas imediatamente.

Para tanto dei alguns passos atrás e parei. A princípio não ouvi nada, depois ouvi a voz, mas muito mal, tão fraca me chegava. Eu não a ouvia, depois a ouvia, devo, portanto, ter começado a ouvi-la, num certo começo, de tal modo. Quando a voz finalmente parou dei ainda alguns passos na direção dela, para ter certeza que havia cessado e não apenas baixado. Depois, convencendo-me, dizendo a mim mesmo. Como saber sem estar ao lado dela. Dei meia volta e me fui, deveras, cheio de incerteza. Algumas semanas depois, voltei ao mesmo lugar, era a quarta ou quinta vez depois de abandoná-la, à mesma hora mais ou menos, quero dizer mais ou menos sob o mesmo céu, pois nunca é o mesmo céu, como dizer isso? Mas de repente ali estava não sei como, eu não a tinha visto vir, nem ouvido vir, e não obstante, estava atento. Digamos que chovia isso nos dificulta um pouco os sentidos. Ela se protegia com um guarda-chuva, naturalmente. Perguntei se voltava ali todo entardecer. Não, disse ela, apenas de vez em quando.

A relva estava úmida demais para que ousássemos sentar. Caminhamos de um lado para outro, eu lhe segurei o braço, por curiosidade, para ver se isso me daria prazer, mas não me deu nenhum prazer, então o larguei. Mas porque esses detalhes? Para retardar o final. Eu vi um pouco melhor seu rosto. Parecia-me normal, seu rosto, um rosto diferente de milhões. Ela chorou, mas isso só soube mais tarde. Ela parecia mais velha, seu rosto estava como que suspenso entre o frescor e o sofrimento. Eu estava mal, naquela época, esse tipo de amabilidade não aparecia no meu rosto, ou não tinha possibilidades de aparecer? Confesso que eu sofria. Vi no rosto dela, talvez dispusesse de mais beleza. Diferente do meu rosto, talvez no meu leito de morte, haverá a possibilidade de uma melhor estética, de ser humano.

Mas nos rostos vivos, as marcas de sangue à flor da pele. Eu a admirava, apesar da obscuridade, apesar de minha perturbação, o modo pelo qual ela estava imóvel, se ergueu na minha direção, na altura de minha boca, com se tivesse sede. Ela me perguntou se eu queria que cantasse alguma coisa. Respondi que não, que estaria bem de acordo com seu jeito de ser. Fiquei, portanto, agradavelmente surpreso ao ouvi-la dizer que me queria muito, com clamor. Queres-me? Exatamente eu? Disse. Ela respondeu que sim. Isso aumentava as chances, outra vez. Então fomos nós dois para seu quarto. Sim, disse ela. Enfim, esse assunto é digno. O desejo de ficar sob mim, disse ela.

Perguntei-lhe por que não me tinha dito antes. Eu devia estar fora de mim, naquela época. Não me sentia bem ao seu lado, exceto pelo fato de que me sentia livre para pensar em outra coisa, que não nela, e isso já era muito, nas velhas coisas experimentadas, uma depois da outra, e assim, pouco a pouco, em nada, como em degraus que desciam para um lugar profundo. E sabia que a deixando eu ganharia, ou perderia a liberdade.

Eram na verdade nós dois juntos, ela não havia mentido. Ela queria que eu morresse com ela. Expliquei-lhe que não tinha intenção. Estávamos na sua cama, da janela podia ver a montanha. Ela ascendeu sobre meu corpo. Você não tem necessidade? Disse ela. Não, disse eu, mas tenho desejo. Ora, disse eu, você é sagaz. Ela se despiu. Quando ela não sabia o que fazer, se despia, é sem dúvida o que de melhor as mulheres fazem. Tirou tudo, lentamente, exceto as meias, destinadas sem dúvida a aumentar minha excitação.

Não era a primeira vez, que eu via uma mulher nua. Portanto, eu sabia que ela iria me espoliar. Disse-lhe que queria vê-la toda, pois ainda não havia visto. Se a tivesse visto, teria dito que queria revê-la. Tire sua roupa, disse ela. Tirei a roupa com eloqüência. É verdade, sou um sujeito que me dispo com facilidade. Tirei os sapatos ao me sentar, quero dizer, ainda fiquei com as roupas internas, pois a temperatura era fria. Ela, portanto, se mostrou cortês, com um roupão me aconchegou. Teríamos que ficar sob o cobertor. Quando me dei conta, ela disse talvez eu saiba um caminho mais fácil. Eu a olhei com amor. A sensibilidade de minha imaginação. Então, sabia que eu a vi em outro lugar, fora daquele quarto. Que sentimento é este? Exclamei. É excitação, disse ela.

Comecei a tirar o que sobrou de suas roupas, seu corpo tremia, pelo menos tremia, eu suponho, pois na verdade gemia. Ela me perguntou o que estava fazendo, mas sem esperar resposta, acredito. Eu retirei as duas peças do seu corpo, ao mesmo tempo, as empilhei sobre o sofá. Havia dois grandes e um pequeno. Ficamos, finalmente, de modo que não podíamos mais deixar aquele lugar. Podia-se abrir a porta, ou fechá-la, que se movimentávamos para a cama, mas ela havia se tornado amável. Uma frase, disse ela. Coloque-me pelo menos nos braços. Eu lhe falei da minha satisfação, talvez, finalmente, uma espécie de gemidos fixos na parede. No dia seguinte, coloquei fora meus sentimentos. Uma estranha recordação. Ouvi uma palavra, não sei qual, não sei o que isso queria dizer, e nunca tive a curiosidade de saber. As coisas das quais me lembro. Tudo estava em ordem, deixei-me cair sobre ela. Ela não moveu um dedo para se negar.

Traga as cobertas, disse ela. Mas eu não as queria. Feche as cortinas, disse eu. A janela estava aberta. O clima estava brando, porque já era manhã, mas estava um pouco escuro. Fui útil ao deitar-me, aquilo me assegurava à liberdade. Levantei-me, mudei de posição, a princípio eu havia ficado sobre ela, voltei-a para o lado de cima. Era o lado certo, ela estava no comando.

Depois de ela subir em mim, fiquei a mercê de seus desejos. Eu deixo a decisão para você, disse ela, mas pedi-lhe que continuasse. E você precisa de mais alguma coisa esta noite? Disse ela. Ia começar a remar, eu sentia. Sabe o que é remador? Disse ela. Eu não pensava que fosse isso? Aliviar-me na cama foi agradável naquele momento, depois, adormeci.

Eu gostei muito, enfim gostei bastante, posição de remador me faz pensar no oceano, ou no caudaloso rio, não sei, mas ela gostou, nós dois, talvez, sim, eu li no seu semblante, e através dele ela pronunciava o verbo gostar. Ela não parava. Uma espécie de erupção humana. Eu a vi sentada sobre mim, hirta como estacas, e orgulhosa, por receber tanto, talvez, fosse à nova posição que ela estreara, ou antes, teria desejado. Mas dai-me mais, disse ela.

Ela se voltou para mim como uma espécie de carola, mas não era uma carola, nem era inocente, era uma mulher experiente. Você não precisa me dizer, disse ela. Sei que precisa disso. Você precisava, tanto quanto eu, disse. Gosto de assegurar a satisfação dos meus desejos, completos. Não tenho medo, ainda estou me molhando, disse ela. Virei-me para ela. Ela apanhou-me com suas mãos rápidas e colocando-se novamente por cima de mim, sua boca gesticulava, achei que ia morder-me, mas não, veio inclinar-se sobre mim, por cima do meu rosto. Tudo isso é para você, disse ela, numa ânsia efêmera se mexia.

Eu já não a amava mais. Sim, eu já não me sentia tanto melhor, mas estava na direção de longas submersões de que há muito tempo eu estava privado, por minha culpa. E apenas acabávamos de transar. Pareceu-me que o sentido dessa palavra, esse detalhe só tomei conhecimento alguns segundos depois de ter acontecido. Tinha tão pouco o hábito de falar o que me acontecia, de tempos em tempos, deixar escapar, frases imprescindíveis do ponto de vista passional, mas totalmente destruído, não direi o significado, pois, se bem examino esses fundamentos, sei que tenho razão.

Mas, eu continuava a ouvi-la, à medida que me indagava. Foi a primeira vez que sua voz me chegou com tal lentidão. Virei-me de costas, para ver o que se passava. Ela sorria. Pouco depois foi embora. Eu a ouvi atravessar a porta e fechar atrás de si. Eu estava finalmente só, finalmente. Não falarei mais disso. Eu acreditei que tivemos uma boa noite, apesar da casa ser dela, mas não estranhei, minha noite foi exatamente, diferente. Acordei no dia seguinte muito cedo, as roupas em desordem, as cobertas também, Susane estava ao meu lado, nua, naturalmente.

O esforço que deve ter feito! Eu continuava a admirá-la. Olhei meu sexo. Se ele soubesse falar. Não direi mais nada sobre isso. Foi essa a minha noite de amor. Minha vida organizou-se ao lado dela. Ela me tinha afeições nas horas certas. De quando em quando perguntava se eu estava bem, ou se precisava de alguma coisa. Nem sempre eu resistia à atenção e falava, mas de um modo geral eu não tinha que me queixar dela. Eu a ouvia cantar de tempos em tempos em seu quarto, a canção atravessava a porta do quarto, chegava até mim, indiscutível. Isso não me incomodava muito, ouvi-la cantar de tempos em tempos.

Um dia pedi-lhe que me trouxessem margaridas, num vaso. Ela me trouxe e eu a pus na janela. Havia em nosso quarto, um espaço no alto da janela, que fossem colocadas lá, disse ela. Eu as olhava todos os dias. Eram azuis com branco. Eu preferia as bem azuis. A princípio elas foram bem ao nosso relacionamento, somente flores, depois capitulamos, e as pétalas das margaridas dentro em pouco caíam, e só restaram as folhas chorosas. Como um peixe fora da água, como se buscasse oxigênio, cheirava o ar. Susane queria levantar-se, mas eu lhe disse que se aquietasse. Ela quis comparar-me a outros, mas eu lhe disse que não queria ser comparado. O que me perturbava mais eram esses outros, num gemido, a casa se enchia surdamente de silêncio, em certas horas, tanto de dia como de noite. Eu não pensava mais em Clarissa, não pensava mesmo, mas tinha ainda assim necessidade do silêncio para poder viver.

Por mais que eu racionasse, dissesse que o ar é feito para carregar os ruídos do mundo, e que risos e gemidos participam intensamente dele, nem por isso me afligia menos. Eu não conseguia decidir se ela sempre me comparava a outros homens. E os segredos! Eu tinha horror, naquela época, cheio de perplexidades e todas, às vezes caí na armadilha, quero dizer, tentava saber ao certo. Dediquei muito tempo a minha vida, por assim dizer, passei a admirar a cor dos olhos de Susane, e a paciência que ela tinha, estava perto da beleza de Vênus, no inferno da arrogância da existência, ou da gênese da existência de nós mesmos, que exige sabedoria, para os que dela se abrevia. É pouca, toda a minha vida, para chegar a esta conclusão, nos restava o tempo para aproveitar. Estávamos bem avançados. Tendo interrogado a Susane, ela me disse que estava ciente que eu a abandonaria. Eu teria podido naturalmente me levantar e ir embora, supondo-se que não fui, mas o que se pôde ver? Então você quer que eu vá, disse eu. É nosso destino, respondeu ela.

Ela sabia de Clarissa, pediu-me para não fazer escândalo. Como se eu fosse de escândalos. Acabo de dizer. Critiquei, não sou do tipo. Eu sei, disse ela. Vou embora, disse eu. Ela procurou perdurar nossa conversa. Perguntei-lhe se seria possível, de tempos em tempos, transarmos. Uma relação amorosa! Exclamou ela, manifestando o desejo. Observou, só podemos transar na minha casa. Uma relação amorosa! Exclamou ela. As relações amorosas tinham gosto de framboesa, para mim. Gostava delas, pelo gosto de framboesa e pelo perfume doce de Susane, mas ela queria experimentar o sexo mais profundamente.

Se não houvesse jardins na terra, mesmo assim, eu gostaria das rosas, e se as flores não existissem, os jardins na terra, tudo me seria indiferente, quanto às rosas, são as margaridas. E mesmo na atual estação, quero dizer neste mundo onde os jardins e as rosas encontram-se no meio do coexistir, eu passaria facilmente, entre uns e outros. Um dia ela teve de anunciar que estava grávida, que era meu filho. Convidou-me a olhar sua barriga. Despiu-se, sem dúvida para provar que não era nenhuma mentira, mostrou sua barriga pelo puro prazer de despir-se. Isso é simples, assim mesmo, disse eu para confortá-la. Ela me olhou, seus olhos lacrimaram cujos não me esqueço, seus olhos grandes estavam voltados, aparentemente para as margaridas. Quanto mais ficou nua, e mais bela. Olhe, disse ela, colocando as mãos sobre seus seios, a barriga já estava crescendo.

Reuni forças e a beijei. Parada como uma montanha, impassível, secreta, onde na manhã sentiria, senão a brisa, e o pequeno dando golpes na interna, trabalhando. Ela, durante a noite estava quente, perfumada e selvagem, à noite, as luzes da cidade, se eu as quisesse, as outras, do teto brilhavam com ela. Quem havia me ensinado quando pequeno? E eu armazenaria na memória, que um dia eu entenderia todos esses eventos da natureza humana, se quisesse.

A partir daquele dia, as coisas para mim, foram ficando piores, não que Susane me abandonasse, não poderia ter nunca me abandonado, ademais, o sentido da minha vida começara nela, e num certo momento ela quis me aliciar com o nosso filho, mostrando-me a minha responsabilidade. Nos seus ideais ia me dizendo que ele nasceu para perturbar nosso pensamento, e que a qualquer momento morreríamos, ela disse. Não havia mal nenhum, é certo, não era evidentemente o meu ideal, mas, não subestimava seus ideais. Não hesitei em aceitar. As pétalas já caíam. Eu tinha medo das primaveras. Não se deve ter medo da idade, também ela tem suas bondade, suas cálidas carícias passam depressa. Mas eu não sabia se naquela época, o quanto à vida podia ser ardil para aqueles que só tem a ela, e em qual sepultura poderia encontrar-me.

O que me deixou bem com o meu filho foi de ele parecer comigo. Fui muitas vezes acordado por ele. Ele queria se apossar de algo meu. Creio que seria uma mulher, sua mãe, parece que eu ouvia de tempos em tempos eles dois na cozinha. Isso me deixava intrigado, sem que me pusessem para fora. Pulei para fora da vida dela, não esqueci nada, abri a porta e me fui. Muitas coisas ela falou com carinho, mas passei pela vida dela, assim mesmo, a provocar esse estranho sentimento. Fugi do compromisso do casamento, apesar de tudo, ficamos unidos ao nosso filho. Foi um erro, os gritos dela me desafiavam. Era meu primeiro filho. Agora eles me perseguem aonde ando. Hoje, paro em frente às mulheres para receber o perdão. Se soubesse que esses gritos ecoariam em outros tempos, talvez, não os deixasse. Mas, não sabendo, não ouvi. Não sei onde estava. Hoje procuro entre as estrelas, mas não posso encontrá-los. Não obstante, eu devia encontrá-los. E o mundo me mostrou o sabor das mulheres.

Ele mostrou-me as duas, mas sozinho, e sozinho não sei encontrar-me. Comecei a brincar com as letras, se é que posso chamar de brincar a minha vontade de escrever, escrever um poema é um trabalho de brincar com a imaginação. Enquanto eu andava, ouvia o ruído de meus passos. Meu coração disparava, era medo? Mas tão logo parava, eu ouvia outros passos cada vez mais fortes e é certo que também senti uma lufada de calor, mas que diferença faz se alguém estivesse me acompanhado, se seus passos eram fracos e confundiam com a minha respiração. Durante anos acreditei que alguém me acompanharia. Agora, depois de perceber que meu pai tinha razão. Ter-me-iam sidos necessários outros amores, talvez, o amor das mulheres que me têm. Mas os amores, não os têm quando se quer!

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