terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Filosofia de Platão vs o Cientificismo de Aldous Huxley

O livro Admirável Mundo Novo foi escrito pelo inglês Aldous Huxley em 1932. Considerado um dos mais importantes escritores contemporâneos. Era conhecido por possuir uma cultura enciclopédica. Era neto do cientista Thomas Huxley, de sólida reputação nos campos da zoologia e da medicina e defensor das teorias evolucionistas de Charles Darwin[1].

O livro trata da pureza da raça humana obtida a partir de estratégias de laboratório, onde as classes sociais estariam relacionadas a castas genéticas, uma idéia de progresso alicerçado apenas na técnica. Com esse modelo o homem tem o seu destino traçado e a sociedade fica dividida por semi-autônomos classificados em ordem decrescente. O tempo que o autor escolheu para ambientar a sua história foi o ano de 753 DF (Depois de Ford).

É uma visão futurista na qual o domínio quase integral das técnicas e do saber científico produz uma sociedade totalitária e desumanizada. É uma ficção que relata uma sociedade onde não haveria vontade livre, esta é abolida pelo condicionamento. A servidão seria aceitável devido a doses regulares de felicidade química; ortodoxias e ideologias seriam ministradas no curso do sono.

Estabelece-se em Huxley um misto de fantasia onde as crianças seriam concebidas e gestadas em laboratório, em linhas de produção artificiais, com um controle total sobre o desenvolvimento dos embriões pelos cientistas do Estado. O Mundo Novo descreve como a manipulação genética é possível e dar um enfoque ao problema da uniformização dos indivíduos. O autor cria um país sem crítica onde todos podem viver felizes a olhar para as boas notícias. E ainda descreveu com minúcia, uma sociedade ideal onde, para se manter a coesão entre indivíduos, deveria recorrer à engenharia genética, e tendo como o meio de produção mais elevado, o processo Bokanovsky, onde se poderiam ser gerados milhares de gêmeos idênticos.

A ficção huxleyana é teoricamente desafiadora, mas se importarmos para o presente é cientificamente possível. Já se provou através da técnica científica a produção de seres humanos in vitro, a clonagem de animais, o hibridismo vegetal. A manipulação de células, tanto vegetal quanto animal, produção de células troncos, a codificação genética da cadeia de DNA, a produção de alimentos transgênicos. Além da transferência de embrião que é hoje trabalho corriqueiro nos laboratórios de biologia de todo o mundo.

O que se pode inferir do Admirável Mundo Novo é que o autor teve apenas a preocupação científico-biológica, - talvez influenciado pelo seu avô, - sem cunho filosófico. Não passou pela idéia do inglês trazer o enfoque da filosofia primeira, ou seja, Huxley não trouxe base filosófica pré-socrática, pois, mesmo encontrando em Parmênides[2] a teoria de que o homem em princípio nasce de dentro de um peixe, isso aconteceria pelo processo natural e não pela manipulação dos óvulos. Ele também não buscou em Sócrates[3], Platão[4] ou Aristóteles[5] fundamentação para o seu conto. Seu pensamento era moderno, continua moderno no campo científico e vem se sedimentar na filosofia moderna, uma filosofia mais cientificista, mas não podemos compará-la ao projeto de Karl Marx[6], pois Marx apresentava uma filosofia revolucionária que procurava demonstrar as contradições internas da sociedade de classes e as exigências de superação. O que a superação não é admitida em Huxley.

Para estar certo dessa afirmação, comprova-se que os pré-socráticos romperam com a tradição mítica, para explicar seus pensamentos pelo método naturalista[7], isto é, explicar a natureza a partir dela própria, entender os fenômenos com base em causa puramente naturais. Apenas com esse enfoque podemos dizer, com certeza, que não podemos fazer um paralelo da filosofia pré-socrática à teoria huxleyana. Pois, os resultados advindos da incubação feita em Londres Central, seriam previstos no mundo grego como alienantes, numa estrutura de condicionamentos.

Em Sócrates encontramos os “diálogos” que também encontramos em Admirável Mundo Novo, mas são “diálogos” que apresentam um controle térmico-numérico que é mantido à temperatura do corpo. O que é singular no pensamento da filosofia grega é o conhecimento, esse é controlado no Mundo Novo. A descrição é a devida medida da teoria huxleyana, enquanto Sócrates e Platão defendem a liberdade de pensamento. Para o Estagirita “a vida sem reflexão não merece ser vivida”.

Para Huxley o que nutre o seu “Homem” é o controle da temperatura, a salinidade e a viscosidade das idéias, local onde se conservam os óvulos depreendidos e maduros. Platão valorizava os métodos de debate e conversação como formas de alcançar o conhecimento. De acordo com Platão, os homens deveriam descobrir as coisas superando os problemas impostos pela vida. A educação deveria funcionar como forma de desenvolver o homem moral. A educação deveria dedicar esforços para o desenvolvimento intelectual e físico dos homens, com aulas de retórica, debates, educação musical, geometria, astronomia e educação militar. Afirmava também que a educação da mulher deveria ser a mesma educação aplicada aos homens. E com a liberdade de pensamentos onde os mais aptos, procuram o conhecimento, uma seleção natural.

Mesmo que Aristóteles tenha influenciado o pensamento ocidental, não apenas o filosófico, mas também o científico, político e literário não podemos inferir nenhuma ligação da sua teoria científica à teoria científica de Huxley. Pois, Aristóteles não tinha conhecimento da manipulação do gen humano que levasse a produção de um clone, ou um híbrido. O cientificismo de Aristóteles abrange apenas o campo classificatório das espécies.
Não podemos imaginar uma volta ao futuro para compararmos o pensamento de Huxley a filosofia grega. Primeiro porque na “polis” de Huxley, o lema do Estado Mundial é: “Comunidade, Identidade, Estabilidade”. Na República de Platão o “amor à sabedoria” era a inscrição de entrada, o homem seria político por excelência e que fosse à praça como cidadão e fizesse do discurso, a identidade na polis como filósofo-político ou poeta tornando-se um homem livre.

Platão acreditava que o rei deveria ser um filósofo, o que Huxley acredita no contrário quando afirma: “não são os filósofos, mas sim os colecionadores de selos e os marceneiros amadores que constituem a espinha dorsal da sociedade” (Huxley 1932:10). E hierarquizou seu Mundo Novo em classes sociais que eram constituídas antes mesmo dos indivíduos nascerem. A classe Alfas era os detentores de conhecimentos, a casta alta, que se vestiam com roupas cinzas. Os Betas faziam parte da casta alta e eram os detentores das habilidades específicas para a realização de tarefas. Os Gamas eram responsáveis pela mão-de-obra formados pelo processo Bokanovsky[8] e vestiam roupas verdes. Os Deltas eram também mão de obra e formados pelo mesmo processo dos Gamas, era casta baixa, vestiam roupas cáqui. Os Ípsilons eram casta baixa, mão-de-obra, formados pelo processo Bokanovsky e vestiam roupas pretas.

Platão não pensava o mundo assim, dividiu o Estado ideal em três classes: os comerciantes, os militares e os reis-filósofos. Cada classe está associada a uma das virtudes tradicionais gregas: a temperança, o valor e a sabedoria. A justiça, que é a quarta virtude, caracteriza a sociedade como um todo. Usou para a análise da alma humana um esquema semelhante: a racionalidade, a vontade e os apetites. Uma pessoa justa é aquela cujo elemento racional, com ajuda da vontade, controla os desejos.

Ele considerou que existe um mundo com essências que não mudam, que são perfeitas. E se defrontou com o problema do ser. Uma vez que os sentidos nos revelam as coisas como múltiplas e mutáveis, ao passo que a inteligência nos revela sua unidade e permanência, procurou uma solução que conciliasse o testemunho dos sentidos e as exigências do conhecimento intelectual. Baseou-se nos conceitos matemáticos e nas noções éticas para demonstrar que as essências real e eterna das coisas existem. Usou como argumento à possibilidade de pensar figuras geométricas puras, que não existem no mundo físico. Da mesma forma, todo homem tem as noções de bem e justiça, por exemplo, que não têm correspondente no mundo sensível. Concluiu pela existência de um mundo de essências imutáveis e perfeitas, as idéias arquetípicas.

O rei de Platão é filósofo, que transmite a seus discípulos o conhecimento, porque concerne à razão, e não à experiência. A razão, utilizada de forma adequada, leva a idéias que são corretas, e os objetos dessas idéias racionais são os universais verdadeiros, as formas eternas ou substâncias que constituem o mundo real.

O rei de Huxley, Mostafá Mond é um cientista enclausurado em sua vontade de pesquisar o que não podia. Como administrador geral, sua principal função é de censurar toda obra que possa agravar a estabilidade da sociedade. E faz a todos entender que a liberdade é perigosa para a sociedade.

Huxley concorda que seu pensamento não se assemelha ao de Platão na sua segunda fábula “Retorno ao Admirável Mundo Novo[9]” categoricamente ele asserta: “Estamos longe da República de Platão, governada pelos cientistas em prol da humanidade”. (HUXLEY, 1957:35). Pois no seu mundo todos passam pelo processo de condicionamento. São obrigados a ouvir máximas didáticas, anos a fio, sobre bons costumes, o que se garante que todos respeitem as leis impostas e conservem a estabilidade.

Considerando Bernard Marx, um Alfa-mais, um homem curioso que desejava em primeira instância, relutar contra a sociedade, procurando respostas, procurando sentir reais emoções como o “filósofo” de Huxley, esse não se assemelha ao filósofo de Platão, que tinha convicção de seus objetivos, e mesmo em liberdade voltou para mostrar a seus companheiros a ignorância que eles viviam. Bernard Marx quando sentiu o poder nas mãos, revelou-se um agente contra a liberdade e a favor da estabilidade.

Ao tempo que Huxley escreveu sua ficção, o mundo vivia o pesadelo da excessiva falta de ordem, a liberdade de escolha estava restrita a poucas matérias da vida. E acredita-se que esse modelo o influenciou para construir o seu modelo de mundo, que traz em si a desumanização do homem, a morte do indivíduo, a dominação do espírito humano, a perda total da individualidade pelo coletivo, determinada por fatores genéticos e condicionamento constante, controlada pelos donos do poder.

Um poder centrado no regime de governo totalitário, que no lugar da paranóia, imprime-se à perseguição, alicerçada no terror científico, e a sociedade estar toda fundamentada na prática da eugenia, na hipnopedia[10], no condicionamento subliminal, onde se oferece diariamente, de forma controlada uma droga denominada Soma a todos os cidadãos.

Neste Mundo Novo a reprodução humana é inteiramente artificial. Dentre as várias regras, uma das mais importantes era a que induzia ao consumo do Soma durante os períodos de maior agitação ou depressão mental como forma de controle social. O que levava a elaborar a composição química do Soma para a próxima remessa, composto com mais calmantes ou mais estimulantes, de acordo com as circunstâncias do momento. O controle do Estado totalitário ocorria praticamente com a recompensa de comportamentos desejados. O controle do comportamento indesejável por castigo o que parecia menos eficiente que o reforço de comportamentos desejáveis.

No Admirável Mundo Novo, o controle da natalidade foi solucionado abolindo-se completamente a reprodução natural. Os seres humanos eram reproduzidos artificialmente, onde também se fazia uma (seleção de óvulos) para a produção genética de novos indivíduos. O que pode ser uma tentação para o poder, por parte dos governantes em aplicar o totalitarismo, o controle total e a repressão seria inevitável.
O maior problema que enfrenta a teoria huxleyana, além de poder se chegar ao totalitarismo é a aparente tendência humana à uniformidade e a superorganização da sociedade. A própria natureza mostra a ineficiência da uniformidade, ao longo de bilhões de anos de seleção natural[11]. Ao longo da evolução esta uniformidade se mostrou ineficiente para a adaptação das espécies a novas condições, e estas espécies foram lentamente sumindo.

É um paradigma o controle com tecnologia, fornecido por Huxley, mas pode ser aplicado na superorganização do mundo dos negócios, pois conduz a concentração de poder econômico e político como conseqüência do aumento da capacidade de produção. Nesse modelo o poder ditatorial, ou seja, as conglomerados de empresas, os grandes blocos econômicos vão pela tecnologia e pelo monopólio das informações levar a ruína às pequenas empresas, e essas grandes empresas passam a controlar o Estado. E esses grandes negócios artificiais passam a incentivar a massa ao consumo desenfreado, levando-a ao descontrole, e para mantê-la alheia a esse modelo, controla-a por meio de condicionamentos e doses constantes de drogas sintéticas.

Parece que o Mundo Novo sugestionou alguns segmentos da sociedade contemporânea, pelo menos no segmento do uso de drogas. Quando alguém está induzido a sentir emoções fortes sempre busca o auxílio de uma droga sintética, ou quando quer aumentar a sugestibilidade do ser humano para o sensualismo. Pessoas mais sensíveis podem ficar histéricas diante dos problemas pessoais e são controladas com doses de anfetaminas. Atualmente, além da tecnologia mais avançada, há conhecimentos suficientes para produzir um mundo bem mais admirável, sem a aplicação de métodos do Soma.

O que se pode entender do Mundo Novo de Huxley é que pela via da insatisfação o homem tem o controle do seu destino, mas tornando-se um alienado que troca a sua liberdade pela estabilidade, não se completa na sua felicidade. É a estabilidade que se exaltada e a felicidade que todos têm a custas da ignorância proporcionada pela absorção do Soma sob a forma de inalantes. O homem de Huxley suprime a verdade em troca de uma verdade mascarada.

Chegas-se a afirmação de que o horror que sentem os personagens Bernard e Lenina ao chegarem a “reserva”, com a podridão e a fedentina humana, é o mesmo horror que os jovens de uma classe alta sentem quando visitam curtiços e favelas nas grandes cidades. Dessas favelas pode sair sonhadores como saiu John “o Selvagem” que procura outros horizontes, mas se decepciona com mundo que se agiganta a sua frente, e o que se procura não está no mundo físico. O selvagem era conhecedor da poesia shakespeareana e da arte, como esse conhecimento era ignorado no Mundo Novo, ele se rebela e é exilado por livre convencimento, isso o leva ao anistiamento, uma forma de reconhecimento pela sua decisão de anti-liberdae, quando ele percebe que criou uma situação que não desejou, suicidou-se, denunciando o mal que tinha causado ao coletivo. O suicídio do Selvagem, não era condenado na antiga cultura grega, mas Platão foi uma exceção e reprovou o ato. Então, está-se provado pelo suicídio do Selvagem que Huxley não observou a filosofia platônica ao pensar seu Mundo Novo, pois Platão pensaria na liberdade do Selvagem, longe das sombras.

Referências Bibliográficas

MARIAS, Julián. História da Filosofia. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004.
MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia, dos pré-socráticos a wittgenste. Rio de Janeiro – RJ. Jorge Zahar Editor, 2000. Pág. 11. HUXLEY, Aldous. Regresso ao Admirável Mundo Novo, Lisboa, (1957) Edição “Livros do Brasil”, s. d.
[1] Charles Robert Darwin (Shrewsbury, 12 de fevereiro de 1809 — Downe, Kent, 19 de abril de 1882), naturalista britânica que alcançou fama ao convencer a comunidade científica da ocorrência da evolução e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual.
[2] Parmênides (viveu em torno de 500 a.C.), filósofo grego. Precursor do idealismo de Platão e da explicação materialista do universo de Empédocles e Demócrito. Foi o membro mais importante da escola eleática. Defendia que os fenômenos da natureza não têm entidade real. Na opinião de Parmênides, a realidade, a ser verdadeira, somente é encontrada na razão. Sua única obra conservada é Sobre a natureza.

[3] Sócrates (470- 399 a.C.), filósofo grego. Foi o fundador da filosofia moral, ou axiologia. Nascido em Atenas familiarizou-se com a retórica e a dialética dos sofistas, pensadores profissionais que combateu com veemência. Ao contrário dos sofistas, que cobravam para ensinar, Sócrates passou grande parte de sua vida provocando discussões em que ajudava o interlocutor a descobrir as próprias verdades, num método que ficou conhecido como maiêutica. Nunca cobrou por suas aulas e ensinamentos.

[4] Platão (428- 347 a.C.), filósofo grego, um dos pensadores mais criativos e influentes da filosofia ocidental. Discípulo de Sócrates aceitou sua filosofia e sua forma dialética de debate. No ano de 387 a.C. Fundou em Atenas a Academia que Aristóteles freqüentaria como aluno. Seus escritos, em forma de diálogos, podem ser divididos em três etapas de composição. A primeira representa o desejo de divulgar a filosofia e o estilo dialético de Sócrates. A segunda e a terceira compostas pelos diálogos dos períodos intermediário e final de sua vida, refletem sua própria evolução filosófica, expondo já suas próprias idéias.

[5] Aristóteles (384-322 a.C.), filósofo e cientista grego. Estudou em Atenas, na Academia de Platão. Foi tutor de Alexandre III o Grande. Em Atenas, inaugurou o Liceu, que chegou a ser conhecido como escola peripatética. Sua filosofia se baseia na biologia, no empirismo e no formalismo (dedução racional).

[6] MARX, Karl. Economista, filósofo e socialista alemão, nasceu em Trier em 05 de Maio de 1818 e morreu em Londres a 14 de Março de 1883.

[7] MARIAS, Julián. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Pág. 23.
[8] Processo pelo qual eram gerados milhares de gêmeos idênticos.
[9] HUXLEY, Aldous. Regresso ao Admirável Mundo Novo, 1957. Pág. 35.
[10] Processo de condicionamento que leva todos a escutarem máximas didáticas sobre bons costumes durante as horas de sono.
[11] A seleção natural defende que, um animal, por exemplo, que sofre uma variação específica, na qual manifesta mais apta à sobrevivência e também a uma reprodução bem sucedida, todos os seus descendentes vão ter mais chances de sobrevivência do que os descendentes deste animal sem esta variação.

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